Produção e Realização Artística

Produção e Realização Artística
Produção e Realização Artística: Programa de Pós-Graduação em Artes, Instituto das Artes da Universidade de Brasília - Prof. Marcus Mota

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Diário de Ensaios #3

03/05/17


Vídeo disponível em: https://vimeo.com/216425282. Senha: <heraclito>.




Este ensaio teve uma característica original em relação aos anteriores. Se nos dois primeiros ensaios houve um esforço de construir material a partir de uma pré-produção organizada, neste dia decidimos dar espaço à experimentação sem predeterminar a intencionalidade composicional do potencial resultado. Este encontro marca também a intervenção determinante de Erica na criação performativa. Ambos chegamos com uma motivação entusiasmada, quer pelo andamento do processo quer pelas sugestões resultantes do processo de partilha com os outros coreógrafos (registrada numa postagem anterior). A ida para o chão, a disrupção formal da nossa permanência face a face, o pequeno momento de pura dança de Erica, a exploração de uma relação direta entre os corpos, a procura de uma maior amplitude de movimentos, todos estes elementos nascem de um processo que não é mais solitário, antes constituído a partir de um compromisso composicional aberto à ressonância de outros criadores e da cumplicidade crescente da bailarina. Foi um momento de grande liberdade e de grande inspiração. O que até aí era algo muito próximo de um pensamento preponderante musical, ganhou uma dramaturgia cênica com uma nova espessura: os novos momentos, apesar de manterem uma virtualidade musical sugestiva, vivem por si e se provocam numa causalidade eminentemente coreográfica. 

Esta é uma diferença substancial em relação ao que vinha sucedendo. Nos dois primeiros ensaios esforcei-me por conseguir uma presença performativa que servisse de algum modo uma determinação compositiva intrinsecamente musical. Deste momento em diante, sinto que se confundem essas disposições, sendo mais clara a imagem virtual da obra, na medida em que ela se apresenta como um todo. Sobre este aspecto redigi um texto que pode ser lido na postagem seguinte.  


Regressado ao estúdio de som, e após montar os resultados registrados em vídeo com a parte do material anterior que se iria manter, passei novamente à elaboração da partitura. Reproduzindo no teclado a dinâmica física simulada sobre o tampo mudo da mesa na sala de ensaios, descobri uma composição musical que, sendo absolutamente familiar e própria (quer do meu idioma improvisatório no piano, quer do meu pensamento composicional), apresentava uma solidez e equilíbrio formais surpreendentes. Daí passei a outro aspecto que se prende com a caracterização morfológica do material tocado por Erica. Até aqui este material era bastante heterogêneo, servindo aplicadamente cada momento, mas apresentando uma disparidade sônica que me vinha incomodando. Resolvi então homogeneizar as características timbricas destes objetos pela adoção de uns “feedbacks sentimentais”, idealizados, produzidos, utilizados e esquecidos há muitos anos no contexto de outra produção, e que estavam presentes, até aqui, apenas na secção final da peça. Tal dispositivo trouxe para a partitura um arco estruturante, transformando o diálogo entre piano e eletrônica num diálogo entre o piano e um timbre específico, eivado de variações que servem a dramaturgia e salpicados por outros timbres que objetivam a sua funcionalidade. Deste modo encontro uma solidez que nasce da coerência musical e que contamina, por sua vez a estrutura dramatúrgica, contribuindo para a unidade estética de toda a performance e para o polimento do seu reflexo estético.


Para o próximo ensaio fica no ar alguma insatisfação com o final da peça. Iremos experimentar a mesa e os bancos entretanto adquiridos, aparentemente necessitados de uma redução da altura. Aferir essa questão é um dos objetivos.

Serão utilizados os instrumentos musicais, pelo que a expetativa é mais de um ensaio técnico do que de um momento de grande fulgor criativo.  

Sem comentários:

Enviar um comentário