03/05/17
Vídeo disponível em: https://vimeo.com/216425282. Senha: <heraclito>.
Este ensaio teve uma característica original em relação aos
anteriores. Se nos dois primeiros ensaios houve um esforço de construir
material a partir de uma pré-produção organizada, neste dia decidimos dar
espaço à experimentação sem predeterminar a intencionalidade composicional do
potencial resultado. Este encontro marca também a intervenção determinante de
Erica na criação performativa. Ambos chegamos com uma motivação entusiasmada,
quer pelo andamento do processo quer pelas sugestões resultantes do processo de
partilha com os outros coreógrafos (registrada numa postagem anterior). A ida
para o chão, a disrupção formal da nossa permanência face a face, o pequeno
momento de pura dança de Erica, a exploração de uma relação direta entre os
corpos, a procura de uma maior amplitude de movimentos, todos estes elementos
nascem de um processo que não é mais solitário, antes constituído a partir de
um compromisso composicional aberto à ressonância de outros criadores e da
cumplicidade crescente da bailarina. Foi um momento de grande liberdade e de
grande inspiração. O que até aí era algo muito próximo de um pensamento
preponderante musical, ganhou uma dramaturgia cênica com uma nova espessura: os
novos momentos, apesar de manterem uma virtualidade musical sugestiva, vivem
por si e se provocam numa causalidade eminentemente coreográfica.
Esta é uma
diferença substancial em relação ao que vinha sucedendo. Nos dois primeiros
ensaios esforcei-me por conseguir uma presença performativa que servisse de
algum modo uma determinação compositiva intrinsecamente musical. Deste momento
em diante, sinto que se confundem essas disposições, sendo mais clara a imagem
virtual da obra, na medida em que ela se apresenta como um todo. Sobre este
aspecto redigi um texto que pode ser lido na postagem seguinte.
Regressado ao estúdio de som, e após montar os resultados
registrados em vídeo com a parte do material anterior que se iria manter, passei
novamente à elaboração da partitura. Reproduzindo no teclado a dinâmica física simulada
sobre o tampo mudo da mesa na sala de ensaios, descobri uma composição musical
que, sendo absolutamente familiar e própria (quer do meu idioma improvisatório
no piano, quer do meu pensamento composicional), apresentava uma solidez e equilíbrio
formais surpreendentes. Daí passei a outro aspecto que se prende com a
caracterização morfológica do material tocado por Erica. Até aqui este material
era bastante heterogêneo, servindo aplicadamente cada momento, mas apresentando
uma disparidade sônica que me vinha incomodando. Resolvi então homogeneizar as características
timbricas destes objetos pela adoção de uns “feedbacks sentimentais”, idealizados,
produzidos, utilizados e esquecidos há muitos anos no contexto de outra produção,
e que estavam presentes, até aqui, apenas na secção final da peça. Tal
dispositivo trouxe para a partitura um arco estruturante, transformando o diálogo
entre piano e eletrônica num diálogo entre o piano e um timbre específico,
eivado de variações que servem a dramaturgia e salpicados por outros timbres
que objetivam a sua funcionalidade. Deste modo encontro uma solidez que nasce
da coerência musical e que contamina, por sua vez a estrutura dramatúrgica,
contribuindo para a unidade estética de toda a performance e para o polimento
do seu reflexo estético.
Para o próximo ensaio fica no ar alguma insatisfação com o
final da peça. Iremos experimentar a mesa e os bancos entretanto adquiridos,
aparentemente necessitados de uma redução da altura. Aferir essa questão é um
dos objetivos.
Serão utilizados os instrumentos musicais, pelo que a
expetativa é mais de um ensaio técnico do que de um momento de grande fulgor
criativo.
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