Produção e Realização Artística

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Produção e Realização Artística: Programa de Pós-Graduação em Artes, Instituto das Artes da Universidade de Brasília - Prof. Marcus Mota

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Diário de Ensaios #1

A Umidade das Almas . miniatura coreográfico-musical para dois intérpretes

Com João Lucas e Erica Bearlz

21/04/17

 Vídeo disponível em: https://vimeo.com/214310387. Senha: heraclito


A planificação deste primeiro ensaio decorreu de um processo de maturação prévia (pré-produção), tendo este processo incluído uma fase inicial de contato com a filosofia fragmentária de Heráclito e, posteriormente, a elaboração de um guião diagramático elencando um conjunto de sete cenas idealizadas na perspectiva de planejamento da produção performativa (referir a proximidade da metodologia proposta na disciplina com aspectos importantes da pesquisa, nomeadamente no que respeita ao conceito de dispositivo dramatúrgico – pensar nas distancias).

As primeiras experiências foram pensadas de acordo com esta projeção. Sendo as primeiras três bem definidas no que respeita à descrição das ações e da potencial consequência performativa, optámos por explorar a zona central e, eventualmente, a conclusão da peça. Trata-se de um conjunto de quatro cenas.

Este ensaio foi realizado sem a presença dos teclados, elemento central da ideia compositiva. Se, por um lado, as dificuldades logísticas sugeriam esta possibilidade, ela foi, por outro lado, acolhida como uma oportunidade de testar qualidades de movimento de uma forma isolada, sem o concurso da componente musical e sonora. Revelou-se uma opção interessante e provocadora, tendo exigido da minha parte uma concentração privilegiada nesse aspecto criativo, criando material passível de proporcionar uma reflexão posterior na sua envolvência sonora e musical, deslocando-me de rotinas e estratégias composicionais que me são mais familiares.

Cheguei com ideias de ação performativa muito simples, criadas, como referido, a partir do dispositivo dramatúrgico resultante desta fase de pré-produção. Reporto-me, como gesto fundador, ao movimento de queda dos corpos sobre o teclado, com a natural emissão de um cluster que abarca virtualmente todas as teclas do piano, no meu caso, e ao disparo de um número grande de samples endereçados ao teclado de Erica. Trata-se de uma ação cuja produção de som deriva diretamente da qualidade do movimento, o que me pareceu adequado como ponto de partida da exploração coreográfica. Ela estava prevista para a cena 4, tendo sido utilizada também durante a cena 5 e, dando origem a um desenvolvimento durante a cena 6.

Na cena 4, (Morte), estava prevista a queda dos dois corpos, de braços abertos, abrangendo todo o teclado. Como, no caso de Erica, se tratava de um teclado de reduzidas dimensões, ela propôs que a sua postura nessa queda fosse mais recolhida, de acordo com a interação espacial com o teclado e sobretudo, em função da criação de contraste. Este é um aspecto importante, porque uma das características do meu imaginário inicial era uma simetria constante entre os corpos, nascendo o contraste da divergência das qualidades sonoras e, pontualmente, de opções coreográficas discordantes, mas de contornos ainda bastante opacos nesta fase inicial. A proposta de Erica contribuiu assim para rever esta determinação e abrir a possibilidades exploratórias de criação de contraste com essa simetria originária, ou com a criação de contraste de determinados aspetos da ação mantendo outros num paralelismo estrutural.

Na cena 5 imaginei uma ação divergente, com continuidade da minha ação sobre as teclas do piano, como que sujeito a uma polaridade magnética incontornável, enquanto a bailarina ascenderia lentamente no espaço. Já no ensaio, propus uma alteração a este pensamento: eu iria insistindo na produção de clusters, retornando sempre a uma posição de submissão ao poder gravítico do teclado, mas em que cada cluster provocaria um ressalto na posição de Erica, como se ela estivesse sujeita a uma atração mais débil. A bailarina sugeriu então que esse movimento tivesse uma velocidade ascendente mais rápida, que levaria a uma queda de regresso lenta, clarificando o poder propulsor da emissão do cluster. Um ciclo de cinco repetições determinaria outros tantos movimentos cada vez mais amplos.

A cena 6 inicia-se com este quinto cluster, projetando a bailarina para cima, abandonado a cadeira e sendo atraída pelo céu, mantendo-se presa apenas pelo dedo que aciona a tecla do sampler. Nesta tecla está endereçado um som contínuo, durante o qual eu vou executando uma variação do movimento de tentativa de abandono do teclado quye havia produzido os clusters anteriores. Esse movimento, de contração das omoplatas de forma sequencial, faz o corpo ondular sobre o teclado, sendo expectáveis gestos musicais densos, e nesse aspecto próximos do cluster, mas com variação de contornos melódicos originada pelo movimento alternado das escápulas. A execução de cinco destes movimentos coloca-nos de novo em silencio e de olhos nos olhos.

A cena final será então experimentada com um movimento oscilatório que no meu caso tem caraterísticas circulares, acompanhando a produção de arpejos da zona grave para a zoina aguda do teclado, e no de Erica, assume o movimento pendular que medeia a emissão das suas notas. Este contraste de movimento nasce, de novo, da qualidade musical imaginada.
No final do ensaio foi gravado em vídeo este conjunto de experiencias, no intuito de proceder à experimentação musical que se seguiu. Já no ambiente do meu estúdio de som, fiz algumas experiências dos movimentos sobre o teclado (a emissão dos clusters investindo o corpo todo e os gestos musicais resultantes do movimento das omoplatas). Uma primeira ideia resultante (que não me ocorrera no ensaio anterior) foi a possibilidade de jogar com a ordem sequencial das omoplatas. Levantando primeiro a direita e depois a esquerda, o som desloca-se em tessitura da região grave para a aguda, acontecendo o contrário no movimento inverso. Percebi também que seria interessante jogar com a posição da cabeça, utilizando este gesto para alternar a sua posição (ora ficando virada para a esquerda, ora para a direita). Após gravar e sincronizar toda a parte de piano relativa a este fragmento filmado, passei à pesquisa das sonoridades a usar no sampler. Deste modo foi possível uma exploração bastante ampla de recursos timbricos, melódicos e rítmicos, que sugeriu um potencial muito rico para o repensar do próprio movimento a que se destinam, estruturando sua morfologia em detalhe.

O aspecto mais interessante deste processo é, no momento, a percepção da atenuação de fronteiras entre a criação musical e a concepção de movimento. Trata-se de um pensamento que, não sendo novo na minha experiência composicional, ganha um relevo muito própria e uma intensidade desafiadora. A forma como a ideia de movimento origina a ideia musical, que por sua vez cria novos pensamentos sobre o movimento, regressando de novo a uma consequência eminentemente musical se apresenta como um momento de aproximação à possibilidade de uma unicidade compositiva. Por outro lado, a ainda breve convivência com o pensamento coreográfico e espacial de Erica, revelou já uma funcionalidade largamente produtiva no plano de colaboração agora iniciado, sendo parte integrante e indissociável do desenvolvimento deste objeto artístico.

Ideias novas:

Introdução - Mantra sobre fragmento em grego antigo (quatro vozes fazendo um acorde de 7ª e 9ª sem 3ª) durante a entrada do público. Movimentação do corpo espasmódica em função do metabolismo rítmico.

Cena 3 – Pensar numa evolução rítmica das bocas de peixe. Inicialmente gestos longos com sonoridades mais extensas, evoluindo para gestos mais curtos com comentários breves. Talvez intercalados segundo uma matriz geradora de proporcionalidade. Humor? Como reage o outro nestes momentos?


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